sonho com um lugar que já não existe para eu escrever
neste lugar ninguém me lê ou se importa com a minha opinião
meu caráter também – lá ele não está em avaliação
neste lugar eu tenho sempre 23 anos e estou escrevendo
algumas coisas que reconheço cheias de erros
e os erros ainda me comovem pela sua beleza
lá os erros ainda me dão coragem
não vieram de ontem do outro século
nem são os meus antepassados
não acreditam em ouro
em coroas de louros
mas se nutrem
com música
vestem âmbar
como amuletos
gostam dos cavalos.
*
tenho vontade de chamar a esse lugar de a terra perdida, waste land, dor de corno, evidências, o ímpeto de quando me formei, viajar sozinha, ter um caderno nas mãos e uma necessidade de dizer, experiência, juventude, liberdade.
depois me lembro como era ter um blogue e assinar na internet muito antes de ter nome e sobrenome. compreendo que é uma das questões da minha vida: tensionar uma questão nas coisas até a liberdade. das coisas, da tensão, da liberdade.
poder ter a liberdade da liberdade. não ter nem poder.
*
*
estar no penúltimo ano da análise e não saber disso.
ter um penhasco dentro de si e não pensar muito nisso.
mas antes de ontem, no entanto, resolvi cortar vertiginosamente a angústia.
*
tudo isso porque eu tive vontade de escrever o último sonho que me lembro de ter e foi antes de ontem.
eu morava numa vila que parecia algum lugar de mata atlântica entrando pra dentro da mantiqueira, algum lugar da minha região, mas mais interno, ainda mais vivo. andava pela vila desse lugar tendo a impressão de que um cavalo branco estava me seguindo. não dizia pra ninguém isso – afinal o que pode sinalizar uma consciência deixando de estar sã ao imaginar um cavalo a perseguindo?
depois estou tomando o sol num deck em frente a uma casa. as madeiras são escuras. o céu azulzíssimo, estourando a vida em superlativos. quando estou finalmente relaxada pela confiança do espaço aberto dizendo que sim vida, sim simples, vejo no topo da montanha atrás da casa o cavalo. altíssimo, me olhando. nesta hora eu entendo que é uma égua branca e que ela acha que eu aprisionei o seu filho.
um tanto como Pégaso num salto que parecia um vôo a égua de repente se lança do alto da montanha na minha direção. quando cai por trás da casa, o cavalo branco desaparece por uns segundos, até que toma um impulso e surge, com seu peitoral imenso, lindíssimo, a corajosa égua dá uma patada na corrente com um pingente de pérola que está no meu pescoço.
isto sem me causar um risco, o coice da égua passa de raspão na minha pele, mas atinge em cheio a prata e arrebenta o colar, que se perde em meio às plantas ao redor de onde estamos. compreendo que na pérola havia desenhado um pingente de cavalo e que a égua pensou que fosse o seu filho. me sinto um pouco triste de não ser compreendida no cerne das coisas, mas extremamente libertada de alguma coisa que nem eu sabia que estava carregando e já era a hora de perder.